Logo pela manhã deparei-me com uma daquelas questões que me fazem pensar sobre o civismo, a educação, a sobrevivência e a convivência em sociedade.
Há uns anos alguém, do meio do voluntariado, me disse que o ser humano era naturalmente mau uma vez que apesar dos anos e anos de evolução continuava impresso o sentido de sobrevivência e de egoísmo. Na altura achei que a pessoa estava um bocado equivocada, afinal dirigia uma associação com um trabalho maravilhoso, hoje (sim às vezes sou um bocado lenta) percebi finalmente onde queria chegar…
Atualmente trabalho numa das recentes zonas apoderadas pela EMEL, onde os trabalhadores e moradores se debatem por se adaptar à nova realidade, o belo do parquímetro o dia todo! Pior, para os trabalhadores a possibilidade de dístico é quase nula, por isso há um sentimento muito forte de hoje não vou pagar e não vou jogar na roleta russa! Por isso há um pequeno ‘campo de batalha’, um pequeno parque de estacionamento que funciona como um oásis para a nossa carteira. Pela manhã é possível ver inúmeros carros, dando volta após volta, na ânsia que um dos carros estacionados saia, volta após volta, os olhares tornam-se fulminantes, escolher a direção é como jogar na lotaria, por momentos parece que chegamos à selva, e hoje acredito que cheguei!
Ainda não tinha entrado no parque, o condutor à minha esquerda, que tinha marcação para me dar prioridade na entrada do parque, decidiu que a senhora simpática de idade que atravessava a estrada com dificuldade iria tirar-lhe o lugar na corrida para procurar lugar, decidindo que o correcto era buzinar-lhe, pôr o pé no acelerador e passando com uma tangente que quase matou a senhora do coração! Eu que até estava parada fiquei incrédula a olhar para toda a caricatura, afinal entre a hipótese de atropelar alguém ou não pagar parquímetro o prioritário é claramente o parquímetro!
Confesso que me apeteceu sair do carro, e espetar umas quantas caralhadas na cara de tamanha atitude, sobretudo após uma marcha atrás brusca que quase me bateu no carro, mas depois pensei por dois minutos… De facto viver em Lisboa, já não é viver, é mais vaguear por uma selva, onde só falta mesmo pagarmos portagem ou taxa para caminhar na rua. A ânsia de a cada momento pouparmos alguma coisa é tão grande que se pressupõe a qualquer coisa, seja ela uma vida humana, seja ela o que for. Moldamo-nos de tal maneira à selvajaria urbana que perdemos a lucidez, tornamo-nos em predadores por um lugar de estacionamento, rudes e cegos! Numa cidade que está tanto na moda, num país conhecido como hospitaleiro, os locais acabam por se tornar rudes uns com outros de forma a conseguir sobreviver.